sábado, 21 de março de 2015

Dia Mundial da Poesia

Dia Mundial da Poesia

Dia Mundial da Poesia celebra-se a 21 de março e o dia 20 de outubro celebra o dia do Poeta, foi criado na XXX Conferência Geral da UNESCO em 16 de Novembro de 1999.O propósito deste dia é promover a leitura, escrita, publicação e ensino da poesia através do mundo.

Os poetas Fernando Pessoa, Cesário Verde e Sophia de Mello Breyner Andresen vão ser homenageados nas comemorações do Dia Mundial da Poesia, que vão decorrer no Porto e em Lisboa.


O guardador de rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Fernando Pessoa

Impossível

Nós podemos viver alegremente, 
Sem que venham com fórmulas legais, 
Unir as nossas mãos, eternamente, 
As mãos sacerdotais. 

Eu posso ver os ombros teus desnudos, 
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura, 
E até beijar teus olhos tão ramudos, 
Cor de azeitona escura. 

Eu posso, se quiser, cheio de manha, 
Sondar, quando vestida, pra dar fé, 
A tua camisinha de bretanha, 
Ornada de crochet. 

Posso sentir-te em fogo, escandescida, 
De faces cor-de-rosa e vermelhão, 
Junto a mim, com langor, entredormida, 
Nas noites de verão. 

Eu posso, com valor que nada teme, 
Contigo preparar lautos festins, 
E ajudar-te a fazer o leite-creme, 
E os mélicos pudins. 

Eu tudo posso dar-te, tudo, tudo, 
Dar-te a vida, o calor, dar-te cognac, 
Hinos de amor, vestidos de veludo, 
E botas de duraque 

E até posso com ar de rei, que o sou! 
Dar-te cautelas brancas, minha rola, 
Da grande loteria que passou, 
Da boa, da espanhola, 

Já vês, pois, que podemos viver juntos, 
Nos mesmos aposentos confortáveis, 
Comer dos mesmos bolos e presuntos, 
E rir dos miseráveis. 

Nós podemos, nós dois, por nossa sina, 
Quando o Sol é mais rúbido e escarlate, 
Beber na mesma chávena da China, 
O nosso chocolate. 

E podemos até, noites amadas! 
Dormir juntos dum modo galhofeiro, 
Com as nossas cabeças repousadas, 
No mesmo travesseiro. 

Posso ser teu amigo até à morte, 
Sumamente amigo! Mas por lei, 
Ligar a minha sorte à tua sorte, 
Eu nunca poderei! 

Eu posso amar-te como o Dante amou, 
Seguir-te sempre como a luz ao raio, 
Mas ir, contigo, à igreja, isso não vou, 
Lá essa é que eu não caio! 

Cesário Verde


Retrato de uma princesa desconhecida

      Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
 Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
      Para que a sua espinha fosse tão direita
         E ela usasse a cabeça tão erguida
    Com uma tão simples claridade sobre a testa
 Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
     De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
     Servindo sucessivas gerações de príncipes
         Ainda um pouco toscos e grosseiros
            Ávidos cruéis e fraudulentos

         Foi um imenso desperdiçar de gente
        Para que ela fosse aquela perfeição
           Solitária exilada sem destino

       Sophia de Mello Breyner Andresen




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