sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Entrevista a Carla M. Soares, autora de "O Cavalheiro Inglês"

Carla M. Soares, nasceu em 1971, em Moçâmedes, no Namibe. De lá, trouxe escassas memórias e a viagem no corpo.

Formou-se em Línguas e Literatura em Lisboa, tornou-se professora, mestrou em Literatura Gótica e Film Studies e estudou História da Arte num doutoramento incompleto.

Filha, mãe, mulher, amiga, leitora e escritora compulsiva, viaja pelas letras desde sempre.








Bom dia Carla, desde já obrigada por nos ter cedido alguns minutos do seu tempo.

1) Carla,como começou a paixão pela literatura?

Leio desde que me lembro.Quando era miúda, havia muitos momentos em que preferia ficar a ler no meu cadeirão vermelho, do que brincar. Nenhum livro durava nas minhas mãos, pelo que o que os meus pais me compravam de duas em duas semanas não chegava, nem Os Cinco, nem a colecção Patrícia…. Acabei por ler, entre os 9 e os 15 anos, quase tudo o que havia lá por casa, incluindo alguma coisa de Eça de Queirós, Júlio Dinis e outras distribuições do Círculo de Leitores … Li o Servidão Humana aí aos 11, 12 anos e, quando voltei a lê-lo, apercebi-me de que tinha adorado sem perceber nadinha… Tudo isto para dizer que a paixão é mesmo muito antiga, se calhar nasceu comigo, e foi bem alimentada em criança.

2) Quando e como surgiu o gosto pela escrita?

Na adolescência tinha um diário terrivelmente embaraçoso e escrevia uns contos horríveis.No final da adolescência, escrevi poesia. Depois percebi que tudo era mau, mesmo mau, e parei. Cresci, aprendi, li, li, li o que tinha que ler para o curso e o que me apeteceu. Já era adulta, profissional e mãe quando, ao terminar a leitura de um mais um livro de fantasia (não sei se terá sido Tolkien, Ursula LeGuin  ou Juliet Marillier), tinha história na minha cabeça e quis saber se tinha fôlego para levá-la até ao fim. Foram mais de 300 páginas, acabadas durante um surto de varicela em minha casa – que eu também tive, aos 33 anos! Ainda adoro essa história, A Dama do Rio. Nunca mais parei, embora tenha mudado alguma coisa.Mas isso é inevitável, não é? E bom.

3) Faz da escrita a sua profissão ou não?

Não, não faço, nem acredito que venha a fazer.Creio mesmo que, por cá, isso é para uma meia dúzia de autores, uns felizardos que conseguem aquilo que a maioria dos que escrevem (os que escrevem bem, mais ou menos e mal) sonham. Sou professora, que é do que vivo e me ocupa quase todo o tempo – e ocupa mesmo muito tempo, ao contrário do que uma grande parte das pessoas pensa – e escritora nos tempos livres. Escreveria mais, e se calhar melhor, se tivesse mais disponibilidade…

4) De onde surgem os seus personagens, imaginação ou realidade?

A generalidade das personagens são imaginárias, embora nos livros com base histórica surjam algumas figuras secundárias que um dia foram alguém no panorama português. No entanto, creio que não há nenhuma personagem que não cresça do conhecimento que temos do mundo e dos outros e, por isso, todas contêm pedacinhos de nós e de gente que fomos conhecendo, no mundo real ou noutros livros, de arquétipos e valores essenciais e de sentimentos autênticos, bons, maus e mais ou menos, porque o mundo não é preto e branco. Se assim não fosse, as “pessoas” nos livros seriam provavelmente unidimensionais e pouco credíveis.

5) Dos livros que já escreveu, qual o seu personagem favorito?

Não estou certa de saber responder a isso. Tenho que sentir alguma coisa pelas personagens no momento da escrita, ou não consigo escrever sobre elas, ter empatia.Favoritos?Neste momento, Noam, o protagonista, e mais ainda Eivi, uma rapariga muito combativa, ambos do livro de fantasia que estou a rever agora, apenas porque sim. É o meu livro do coração, e não tenho um motivo para isso, nem preciso. É como comfort food, ataco-o sempre que preciso de ânimo…

6) Já alguma vez se deparou com alguém a ler um livro seu? Se sim, como se sentiu?

Há dias, quando entrei numa pequena livraria, vinha a sair uma senhora que tinha acabado de  comprar o último exemplar de O Cavalheiro Inglês, e, segundo a livreira, tinha-o deixado encomendado. Noutra ocasião, uma funcionária da escola veio dizer-me que, ao seu lado no transporte público, vinha uma pessoa a ler o Cavalheiro… É uma sensação mesmo muito boa! Muito boa.

7) Qual a sensação, ao deslocar-se a uma superfície comercial, e ver os seus livros à venda?

Fantástica, sobretudo se estão de alguma forma em destaque! Numa montra é delicioso, embora me dê também uma certa timidez… Também gosto de saber que já houve e já não há, embora fique sempre a pensar se a livraria pedirá ou não a reposição…

8) Quando está a escrever um livro partilha a história com alguém para se orientar?

Não. Por vezes, partilho excertos, se mais insegura, apenas para saber se suscita curiosidade, se vou no bom caminho, mas não a intriga completa. No fim, quando encerro a primeira versão, encontro em geral algumas pessoas que o leiam e opinem com honestidade, para depois passar às várias revisões que o livro costuma ter.

9) Qual o seu autor e livro preferido?

Pergunta que, ou me deixa em branco, ou me traz uma enxurrada de nomes e títulos. Nem tenho um género favorito! Leio com o mesmo prazer um contemporâneo ou um romance de época, um livro policial ou um livro romântico, um de fantasia ou algo realista, se bem escritos e coerentes.Só excluo definitivamente os livros de auto-ajuda ou espirituais, para os quais não tenho a menor paciência, e, em geral, os relatos dramáticos da vida real.Para esses, prefiro as notícias. Alguns livros que me deram muito, muito gosto ler… por exemplo, A Sombra do Vento, Cem Anos de Solidão, O Senhor dos Anéis, A Virgem das Amêndoas, Rama, Manhattan Transfer, A  Filha da Floresta, A Cidade e as Serras, A Centelha da Vida, A Tábua da Flandres, A Boneca de Kokoshka, O Monte dos Vendavais, O Palácio da Lua, A Tenda dos Milagres, Patagonia Express, A Mulher-Casa… E com estes, deixei tantos, tantos de fora!

10) Segue o género literário do seu autor preferido, ou adopta outro?

Nisto remeto para a resposta anterior.Não tendo um género favorito, menos ainda um autor favorito, não posso seguir esse género. De qualquer forma, gosto de ter uma voz própria, reconhecível, mas incomoda-me um pouco a ideia de um dia me ver formatada ou repetitiva. Só tenho publicado textos com uma componente histórica, de época, mas o A Chama ao Vento tem uma parte contemporânea e tenho fantasia na “gaveta”.Foi, aliás, por onde comecei e de quando em quando regresso a ela.Gostaria de um dia publicar algo desse género.

11) Quando termina de escrever um livro, qual a sensação?

Com tem que ter um fim, tem dois; quando acabo o primeiro esboço, ou seja, fecho o essencial do enredo, e quando encerro as revisões, o que para mim só acontece quando a editora diz “tem que ficar pronto dia X”. Até aí, todos os originais estão sujeitos a revisões ocasionais, com a pequenas (ou grandes) alterações e correções linguísticas.Uns têm tido mais, outros menos.O Cavalheiro teve muito pouca, por exemplo.A sensação é, ao mesmo tempo, de alívio, “está feito”, e de insatisfação, porque para mim há sempre alguma coisa que podia, devia, queria melhorar.E é por isso que fujo a ler o que já publiquei e não posso alterar!

12) Como vê o momento actual da Literatura em Portugal?

No seu conjunto, diria que a oferta literária nacional é actualmente muito interessante, há excelentes autores entre os que têm anos de experiência e os mais recentes,que têm vindo a confirmar a sua qualidade nos últimos anos (estou a pensar, por exemplo, no Afonso Cruz) e que há bons autores de géneros diversificados a chegar ao mercado. O português, porém, tem tendência para desconfiar do que é nacional, sobretudo se não for consagrado ou premiado…Para além disso, o público português ainda lê pouco, pelo menos é o que indicam as estatísticas e o que verifico sempre que ando de transportes públicos – poucos têm um livro na mão. Tenho alguma esperança nos mais jovens, que vejo com mais frequência a ler do que há uns anos, talvez estimulados pelo facto de haver uma literatura jovem muito direcionada para eles… quase toda internacional.
Diria também, na perspectiva do autor pouco conhecido,que é muito difícil“romper” a barreira, não só a da primeira publicação, mas a da segunda também.  A maioria das editoras prefere apostar essencialmente no que possa assegurar vendas com um mínimo de promoção, ou seja, em autores de sucesso comprovado, nacionais ou internacionais.  Felizmente, ainda escapam a esta perspectiva algumas editoras, que vão arriscando novos nomes e lhes permitem o tempo para adquirir o seu público e crescer, mesmo que não sejam sucessos de vendas estrondosos no romance de estreia…Num mercado que desconfia dos seus autores, raramente uma primeira obra é best seller, com a excepção de algumas (raras) obras excepcionais ou excepcionalmente bem promovidas.

13) Como vê a divulgação dos bloggers literários?

Julgo é bastante importante neste momento, sobretudo para autores recentes, com pouca penetração no mercado através de outros meios, como revistas, jornais, TV, etc, e que algumas editoras começam a ter essa noção. Todavia, por vezes interrogo-me se não será um pouco o efeito de pescadinha de rabo na boca, se os bloguers literários não falarão um pouco uns para os outros – ou todos para os mesmos leitores, os que apreciam as blogosfera e seguem vários blogues. Essa talvez fosse uma questão interessante de ver discutida, não apenas por bloguers, mas por seguidores e leitores em geral. Quem, afinal, faz escolhas seguindo opiniões de blogues (e, já agora, do Goodreads?)

14) Quer deixar alguma mensagem especial aos seguidores do blog Marcas de Leitura?

Ler enriquece o coração e o intelecto, ajuda a compreender este mundo doido e deixa-nos fugir dele de vez em quando, por isso leiam muito e bem, leiam romances, contos, manga, poesia, leiam o que quiserem, sem vergonha ou preconceito – é tão fácil tê-los! Leiam o que vos traz conhecimento, o que desafia e estimula, ou o que traz conforto, leiam 

Para já fico-me por aqui e agradeço desde já a sua disponibilidade e simpatia.
Muito obrigada Carla, desejo-lhe os maiores sucessos!







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