Emílio Gouveia Miranda, nasceu em Luanda, Angola, a 28 de Março de 1966. Em 1975, em resultado
da guerra colonial, vem para o norte de Portugal, de onde os pais são
originários. Durante o resto da sua adolescência reside em Vila Real, onde
começa a escrever os primeiros textos que compõem esta obra, em 1986, pouco
antes de iniciar o serviço militar, cuja carreira vem a seguir, ao ingressar no
Curso de Formação de Sargentos. Apaixonado pela História e pelo mundo medieval,
de que esta obra é exemplo, além de «A Princesa do Corgo» já terminou o seu
próximo romance a publicar: «Teppô-Ki - O Livro dos Mosquetes». Emílio Miranda
presta serviço no Campo Militar de Santa Margarida e reside actualmente em Vila
Nova da Barquinha.
O Marcas de Leitura esteve à conversa com Emílio Miranda autor de uma vasta colectânea literária e de uma simpatia extrema.
A 19 de Março vai sair o novo livro do autor “1089 - O Livro Perdido dasOrigens de Portugal” editado pela Marcador Editora em parceria com a RTP, título da coleção "Livros RTP". Trata-se de uma iniciativa para divulgar e promover autores nacionais.
1)
Fale-nos um pouco sobre si. Quem é o
Emílio?
Nasci
em Luanda, Angola em 1966 e vim para Portugal em 1975, depois de ter convivido
um pouco com o ambiente de guerra que então imperava naquelas paragens. Porque
era a única coisa que «para o fim» imperava de um império a desagregar-se.
Tinha, portanto 9 anos e a minha vinda fez-se nas condições mais inesperadas e
surpreendentes. Chegamos em pleno inverno – uma das lembranças mais vivas é de
que tudo estava branco de geada em Vila Real. Foi um choque em quase tudo, que
me abriu portas, janelas e corredores temporais. Sem querer, viajei quase para
a Idade-média o que, confesso, acabou por ser fascinante, apesar de todas as
dificuldades associadas.
Aprendi
muito cedo a lidar com a sensação da perda, mas também com a sensação da
descoberta «para lá da imaginação». Julgo que isso me marcou definitivamente e
hoje percebo melhor do que muitos o custo das perdas, mas também o fascínio dos
achados da vida.
2)
Como começou a sua paixão pelos livros?
A
minha paixão pelos livros é algo tardia, pelo menos considerando que toda a
minha infância tinha sido de convivência com eles: o meu pai era um leitor e
colecionador muito interessado. No entanto sempre apreciei mais as imagens do
que as letras e antes da leitura dos livros fui contagiado pela «leitura» das
imagens. A banda desenhada é a minha primeira paixão, que vinha também de um
gosto pelo desenho e pela ilustração. É só com 15, 16 anos – tanto quanto me
recordo – que leio o meu primeiro livro. E foi paixão imediata que nunca mais
cessou. Hoje, literatura e banda desenhada caminham de mãos dadas.
3)
Quando e como surgiu o gosto pela
escrita?
O
gosto pela escrita é sempre uma reação ao gosto pela leitura. Quando lemos
bastante e passamos a apreciar o que lemos e simultaneamente a questionarmos o
mundo que nos rodeia – coisa que sempre fiz – julgo que a evolução acaba por
dar-se de forma lógica ou não, percetível ou nem por isso. O que acontece é que
apreciamos tanto o que lemos que desejamos, a partir de certa altura, superar
aqueles que escrevem as coisas que tanto apreciamos. E começamos a tentar
fazê-lo. De facto, só ao fim de muitas milhares de páginas rascunhadas é que
começamos a apanhar-lhe o jeito. E, claro, de muitas dezenas de livros lidos.
O
primeiro livro que escrevi – pelo menos o primeiro que escrevi em letra de
forma, não contando com os que escrevi à mão e destrui mais tarde -, ainda
inédito e julgo que para sempre inédito, apesar de algumas qualidades e
«momentos» felizes, foi um grande desafio, findo o qual, comecei na acreditar
que poderia fazer «aquilo» mais vezes. E fiz. Não parei desde aí.
4)
Como consegue conciliar a carreira de
Militar e de Escritor?
São
perfeitamente conciliáveis. Houve um tempo em que não escrevia todos os dias,
mas apenas quando podia, me apetecia ou dava jeito. Tanto assim que o meu
primeiro romance histórico – A Princesa do Corgo -, sobre a fundação de Vila
Real, acabou por ser um projeto que me acompanhou ao longo de cerca de 22 anos.
Amadureceu e cresceu comigo. Hoje escrevo todos os dias, e nos momentos mais
inesperados.
5)
De onde surgem os seus personagens, tem
algum favorito?
As
minhas personagens surgem quase sempre primeiro do que o próprio enredo dos
meus livros. Penso numa história, ou em algo que desejo contar, como quem
pretende fazer uma viagem a uma época. Inicialmente sei apenas que pretendo
ficar entre dois pontos e de imediato começo a pensar em personagens
fantásticas, tão fantásticas que muitas têm tanto de nós quanto nós delas
próprias. São as personagens que me levam através da história. Limito-me a
dar-lhes vida própria e são elas que acabam por ganhar a sua própria
tri-dimensão. No fundo são elas que me levam pela mão e me contam a história
das suas vidas. Surpreendo-me sempre com o que têm para me contar. De todas as
personagens até hoje criadas – e julgo que já serão umas dezenas -, a maioria
das que mais me fascinam são femininas. As mulheres são seres fascinantes, com
enorme força e cujas personalidades acabam por ser mais marcantes nos meus
livros. Não vou citar nenhuma, por respeito a todas.
6)
Qual o sentimento ao editar um livro
pela Coleção livros RTP?
De
enorme orgulho. Não era algo que esperasse, se bem que a Marcador fosse uma
Editora que eu já apreciasse imenso, não obstante a sua juventude. Ser – julgo
– o autor do 14º Livro RTP é uma honra enorme para mim, que espero retribuir
com o reconhecimento, por parte das leitoras e leitores, do meu trabalho como
autor.
7)
Já alguma vez se deparou com alguém a
ler um livro seu? Se sim, como se sentiu?
De
facto não, mas sempre desejei que isso acontecesse. Um dia destes, quem sabe…
8) Qual a sensação, ao deslocar-se a uma superfície comercial, e ver os seus livros à venda?
De
enorme satisfação. É o mesmo que ver sonhos transformados em realidade. É um
pedaço de mim que está ali, disponível a todos. Pensamentos, emoções,
imaginação, horas e horas de trabalho, mas sobretudo de prazer, de
persistência…
9)
Quando está a escrever um livro partilha a história com alguém para se
aconselhar?
Normalmente
não, a não ser com pessoas muito próximas. Para mim o ato da escrita é um ato
muito solitário. Como acredito que um livro tem tudo para nunca chegar a sê-lo
e pouco para que se transforme numa obra acabada (há inúmeros desafios que
podem ditar que um livro não passe de um projeto, que nem imaginam: julgo que
algumas personagens acabam por recusar-se a contar as histórias das suas
vidas…), nem sempre é possível concluí-los e às vezes acabam por «morrer» ao
fim de algum tempo, ou levam muito mais tempo a tornar-se realidade, falar
deles «antes do tempo» é algo que evito. Tenho livros que comecei depois e acabei
antes e outros mais antigos esperam ser concluídos. Isto porque não faço
planos: deixo que os livros se escrevam, ou, melhor dito, que as personagens se
revelem. Só por curiosidade: quando conclui o meu primeiro livro e já prestes a
ser publicado, nem os meus irmãos imaginavam que isso pudesse vir a acontecer e
julgo que foram as pessoas mais surpreendidas na altura.
10)
Qual o seu autor e livro preferido?
Tenho
muitos. Portugueses, Norte-americanos, Russos. Exemplos de livros que me
marcaram: os primeiros de António Lobo Antunes, O Nome da Rosa de Umberto Eco,
Doutor Jivago de Bóris Pasternak, Crime e Castigo de Dostoiévski,
Germinal de Emile Zola, Xógum de James Clavell, Os Pilares da Terra de Ken
Follet, e tantos, tantos outros das mais variadas literaturas. Não esquecer
José Saramago, o nosso Nobel, bem como muitos outros. Não esquecer livros
grandes em tamanho e grandes em dimensão, como sejam livros de 1000 páginas ou
de meras dezenas. O Silêncio do Mar de Vércoir, A Pérola de Steinbeck, O
principezinho de Saint-Exupéry são exemplos de livros pequenos em tamanho e
enormes em dimensão.
11) Segue o género literário do seu
autor preferido, ou adopta
outro?
Os
meus autores preferidos são os mais variados e de géneros diversos. Procuro não
seguir nenhum, apesar de me sentir inspirado por todos, e em seguir o meu
próprio.
12) Quando termina de escrever um livro, qual a sensação?
Cada livro é um livro. As dificuldades são diferentes de livro para livro
e, por si, a satisfação também é diferente. Há livros que quase nos arrancam
lágrimas de orgulho e, dentro de todos, textos que o fazem com certeza.
Escrever um livro é viajar por emoções desconhecidas, para além de visitar
dimensões insuspeitas e muitas vezes inesperadas.
13) Como vê o momento actual da Literatura em Portugal?
Bem e menos bem. Produz-se muito. Produz-se muitas vezes sem outros
critérios que não os de simples merceeiros. Temos atualmente grandes nomes,
grandes escritores, mas existe um mercado que consegue vender o que «não
presta» em detrimento do que realmente tem valor. Misturaram-se conceitos e
muitas editoras não passam hoje de tipografias à procura de pseudoescritores
interessados em editar «qualquer coisa», sem que alguém se preocupe em
dizer-lhe que – eventualmente - «ainda» não têm a necessária qualidade para o
fazerem. São prestadores de serviço que, a troco de um pagamento antecipado,
editam «coisas» medíocres. Mas este é o preço a pagar por vivermos numa
sociedade de oportunidades, aberta a desejos pessoais, mais do que ao interesse
do coletivo.
14) Como vê a divulgação dos bloggers literários?
Com grande interesse, apesar de não seguir muitos, muito por falta de
tempo. Vivo para escrever e para ler livros e confesso que nem sempre procuro
as opiniões dos que leem e se predispõem a divulgar as suas opiniões.
De qualquer modo há que realçar que os bloggers são hoje os mais sérios e
empenhados críticos literários. Não obedecem senão à sua consciência. Ou gostam
ou não gostam.
15)
Quer deixar alguma mensagem especial aos seguidores do blog Marcas de
Leitura?
Ler
é viajar, de uma assentada, por vários universos – o próprio, o do autor e os
de eventuais leitores que já manifestaram as suas opiniões relativamente ao que
estamos a ler. Por isso, e contrariamente à opinião de que os livros estão
muito caros, o que não deixa de ser verdade, acaba por ser mais barato ler do
que viajar para outras realidades, países e épocas. Sem esquecer que muitas
viagens não são ainda possíveis, como sejam as que se fazem no tempo, através
da leitura de um romance histórico, como este que nos leva aos primórdios da
nacionalidade; ao embrião daquilo que somos enquanto país e nação.
Um
grande país e uma grande nação: refira-se!
Obrigada Emílio pelas agradáveis e gentis palavras com que nos brindou e pelo tempo que nos dispensou.
Desejo-lhe os maiores sucessos!
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